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Por Eliana Buratti e Letícia Lorena

A cultura do vinil segue viva pela experiência sonora

A nostalgia e a qualidade fazem com que o bolachão ainda seja uma paixão dentre os brasileiros

Vitrolas, nos anos 1950, tornaram-se um sucesso com a indústria fonográfica. (Crédito: Letícia Lorena)

Houve um tempo em que as únicas opções para ouvir música eram somente os discos de vinil ou as estações de rádio. As rádios utilizavam os bolachões (apelido carinhoso que os fãs atribuíram ao LP) nas programações musicais, quando não apresentavam os artistas ao vivo. Nesta época, há pouco mais de meio século, as gravadoras estavam no comando do mercado fonográfico, dos gostos musicais, dos artistas que iriam gravar seus discos e dos preços destes para os consumidores.

Apesar de toda tecnologia empregada nas mídias digitais, atualmente a qualidade é discutível, quando comparada ao vinil. Ainda que dependa do gosto musical, e dos ouvidos apurados de cada apreciador, o fato é que o vinil foi fundamental para a cultura musical do século XX, embalou gerações e ajudou a construir identidades e tribos. Não à toa, existem muitos materiais e matérias sobre os velhos bolachões.

Encontramos livros, clubes, feiras, comunidades nas redes sociais, sites específicos, blogs especiais, lojas especializadas, virtuais ou físicas, que vendem (produtos) novos e usados. As fábricas voltaram a produzir, gravadoras estão lançando novos álbuns de velhos artistas, novas bandas lançando seus trabalhos tanto em CD quanto em vinil, e muita gente disposta a pagar o preço de suas raridades.

Vintage, retro, velha mídia ou bolachão, pouco importa o nome. o vinil é tão apreciado e cultuado que inclusive no dia 20 de abril é comemorado o dia nacional (em homenagem a Ataulfo Alves, que morreu nesta data no ano de 1968), e 12 de abril o dia internacional, que é comemorado com feiras e shows e, em alguns países, é feriado.

Aliás, raridade e preço no mundo do long play é um conceito muito particular. Vários são os critérios que determinam o quão raro é um disco e quanto o público está disposto a pagar depende do gosto musical e do tamanho da paixão pelo artista e seus trabalhos.

Alguns fatores de produção como quantidade de exemplares prensados na época do lançamento, se foram recorde de vendas, se são antigos e bem conservados ou se apenas são difíceis de encontrar. Cada peculiaridade tem um valor, seja monetário ou sentimental. Hamilton Lócco, proprietário do Sebo Móvel On The Road, já conseguiu comprar algumas raridades, como o primeiro vinil lançado pela cantora Eliana Pitman (cantora e atriz brasileira que fez muito sucesso nos anos 70).

Raridades encontradas na 22ª feira do vinil passeiam entre diversos gêneros musicais. (Crédito: Eliana Buratti)

O suiço Renato Wuthrich, residente em Curitiba, é presidente do Clube do Vinil, e comenta a importância de disseminar a forma antiga e com qualidade de ouvir música. Ele preocupa-se com criar eventos e divulga-los, para não deixar o velho bolachão morrer, depois de tantos anos sendo cultuado no mundo inteiro. Já Hamilton Lócco e Luciano Sorrentino falam do empreendimento em quatro rodas que mantém o long play no mercado. Na mesma lógica, o canto gregoriano sobreviveu aos séculos, preservando a tradição.

Desenvolvimento e sucesso do vinil

O vinil nasceu em junho de 1948, pelas mãos de Peter Goldmark, engenheiro da Columbia Records, hoje Sony Pictures, grande empresa fonográfica da época. O disco de longa duração ou long play (LP) é um jovem senhor de 70 anos, em plena forma física e muita energia para competir com jovens mídias, como o CD, o mp3 e o Spotify. A Columbia Records procurava uma mídia com maior capacidade de gravação e duração que os discos criados em 1930. Estes eram pequenos e tinham capacidade para apenas uma música, com 4 minutos de duração e 78 rotações por minuto, feito de goma-laca (um tipo de resina) material duro e seco que quebrava com facilidade.

Goldmark, usando técnicas de aperfeiçoamento e observação, chegou ao vinil. Um plástico PVC, de cor preta, maleável, na forma de um prato, que permitia gravação de músicas com tecnologia analógica mecânica, em microssulcos espiralados e perfeitos no entorno de sua circunferência. Com apenas 33 rotação por minuto, reproduzia até 25 minutos de música em cada um dos lados, com alta qualidade e fidelidade aos sons.

Entre os primeiros convidados a gravar nesta nova mídia estavam Frank Sinatra e a Orquestra Filarmônica de Nova York. O LP do Sinatra encabeçou a lista de vendas e o resultado desta inovadora forma de gravar e ouvir música foram os números acumulados pela Columbia Records: 1 milhão e 250 mil LPs vendidos até o final do ano de sua criação.

Por consequência e lógica, surgem os toca-discos, vitrolas, radiolas e os aficionados pelo mundo do vinil.

A evolução dos aparelhos sonoros. (Crédito: Letícia Lorena)

As tecnologias evoluíram juntamente com as formas de consumir músicas. Depois do vinil, e da fita cassete (K7), surgia a pioneira das mídias digitais, o Compact Disc, popular CD, pequeno disco, cintilante e "arrogante", invade o mercado nos anos 1990, com a pretensão de apagar o brilho ofuscante de quase 4 décadas de sucesso dos velhões bolachões. O CD possibilitava ser ouvido, gravado e regravado inúmeras vezes, e ouvir música em vários lugares, sem precisar do aparato exigido pelo vinil. Mesmo com as versões miniCDs e miniDiscs, a pirataria prejudicou seu sucesso, porém foi a porta de entrada para outras mídias digitais.

Em 1993, chega ao mercado o MP3, desbancando o CD e superando as expectativas dos apreciadores de música digital. Portátil, porém gigante, para a época, em capacidade de armazenamento, 32 MB, podia ser levado para qualquer lugar. A novidade não demorou para ser ultrapassada e os aparelhos celular com a mesma configuração foram lançados em seguida.

Os serviços de streaming, como o Spotify, que com apenas uma década de vida já alcançou milhões de usuários, ainda são novidades para muitos. Ao primeiro sinal de um novo lançamento musical do artista favorito, os fãs já estão a postos para baixar o novo som. Atualmente, o consumidor tem opções e escolhe como ouvir música e montar um acervo particular. A indústria fonográfica já perdeu a hegemonia, porém voltou a crescer em 2014, após 15 anos amargando perdas.

O vinil desceu da prateleira

Entrada da 22ª Feira do Vinil, no Canal da Música em Curitiba. (Crédito: Letícia Lorena)

A 22ª feira do Vinil do Canal da Música, demonstra que o mercado do vinil é bastante eclético, assim como o acervo dos expositores. Milhares de discos estão expostos para venda, troca ou somente para o público ”namorar” algumas raridades. Os expositores, de maneira geral, são bastante criativos e trabalham de forma inusitada, no que tange à disposição das mercadorias e forma de alcançar os clientes. Os acervos são provenientes de herança de família, colecionadores que resolveram fazer da coleção um negócio rentável, e das pessoas que se desfazem dos velhos LPs vendendo e trocando nas sebos.

Juliana Silva, uma das expositoras conta que seu acervo tem aproximadamente 6 mil títulos variados, utilizados para produção de músicas pelo irmão, ex-DJ, que abandonou a profissão depois de sofrer um acidente. Ela os organiza em caixas plásticas, separadas por estilos de música, para facilitar a busca. A maioria dos discos é de música brasileira e algumas raridades importadas, material valioso para dj´s, que ainda os utilizam.

Juliana Silva possui um acervo com 6 mil títulos. (Crédito: Eliana Buratti)

A junção de sebo e Kombi virou inovação nas mãos criativas dos músicos Hamilton de Lócco e seu sócio Jahir Eleuthério, proprietários de uma loja, que vendia e comprava discos, CDs e livros pela internet. O acervo precisava de novas peças, clientes e mais espaço. A ideia de abrir uma loja física era muito latente, mas um negócio oneroso, que impactaria diretamente no preço das mercadorias vendidas.

Os sócios resolveram então criar um sebo móvel. Há mais ou menos cinco anos, compraram uma Kombi amarela, usada anteriormente pelos correios, e a transformaram na Sebo Móvel on The Road. Enquanto Jahir dirige, Hamilton negocia as mercadorias. Rodam pelos bairros e feiras de Curitiba e região metropolitana, e na temporada descem para o litoral do Paraná e Santa Catarina. Atraindo a atenção de turistas e pessoas interessadas na compra, venda e troca de discos antigos.

A Kombi estilizada circula por Curitiba e região metropolitana. (Crédito: Eliana Buratti)

Idealizado por Luciano Sorrentino, publicitário e empresário de São Paulo, A Vinyl Truck, única no Brasil, é uma van estilizada, com algumas repartições feitas com caixas plásticas para acomodar os discos de forma segura e de fácil acesso quando estão em exposição.

As portas do lado interno também servem de expositores que chamam a atenção dos clientes. Adquirida inicialmente para transporte do acervo de casa até a loja, o que não chegou acontecer, pois teve a ideia de unir a oportunidade de negócio e o lazer de colecionador de discos de rock, jazz e MPB e criar a Vinyl Truck - Sonzeira Records.

Sorrentino começou o negócio em 2013, com 3mil títulos, e hoje perdeu a conta do acervo que possui. Circula com sua Vinyl Truck em feiras, bares e eventos do sudeste e sul do país, vendendo, comprando e trocando discos. Orgulhoso, conta que “a van é única no Brasil. Existem outras espalhadas pelo mundo, uma na Espanha, outra na Austrália e fiquei sabendo que agora tem uma no Chile”.

Van da Vinyl Truck Sonzera Records que começou com 3 mil títulos. (Crédito: Eliana Buratti)

Disco de vinil coleciona fãs

Assim como os fãs colecionam discos, o vinil coleciona fãs, como o técnico de segurança, Everton Henriques, que possui um acervo de mais 700 discos de vinil, principalmente do gênero MPB. Ele começou a adquirir os discos ainda pequeno, mas logo abandonou, devido ao avanço da tecnologia e o surgimento de novas plataformas de ouvir música. O retorno do vinil, possibilitou voltar a investir em discos e vitrolas, atualmente possui 13 aparelhos para ouvir suas preciosidades em reuniões de amigos na sua casa.

Everton Henriques aprecia MPB e faz questão de colecionar discos e vitrolas. (Crédito: Letícia Lorena)

Já para o Rogério Silveira, gestor comercial, os discos de vinil eram dados como presentes em comemorações importantes e que reunia a família. Ele voltou a comprar discos de vinil há 10 anos, mas não se considera um colecionador, somente um apreciador do som do vinil.

O saudosista Rogério Silveira e relembra quando começou a se interessar pelos LPs. (Crédito: Eliana Buratti)

O resgate da cultura do vinil é um movimento também entre os mais jovens. O estudante de Letras, Jonas Tozato, de 24 anos, começou o interesse pelo vinil através da internet, depois de olhar alguns vídeos e descobrir que um "simples" pedaço de plástico poderia produzir músicas, passou a ser colecionador em 2010, e atualmente possui 150 discos, principalmente do gênero rock progressivo (estilo musical que surgiu no final da década de 60, no Reino Unido). Ouça a sonora da entrevista do estudante fã de vinil.

Edição: Larissa Oliveira

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