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Beatriz Vasconcelos e Luis Gustavo

Exigências na adoção torna o processo lento e dificultoso

Fila de pais que pretendem adotar é maior do que a de crianças aptas para adoção, um dos motivos é o perfil por eles exigido

Em todo o país, 9.263 crianças esperam para serem adotadas, conforme o Cadastro Nacional de Adoção (Crédito: Pixabay)

No Paraná, cerca de mil crianças vivem em entidades assistenciais, tais como Associação Casa do Pai, Lar Moisés, e Associação Lar Criança Arteira à espera de serem adotadas. No Brasil, o número chega a mais de 9 mil. Entretanto, a fila de pessoas que querem adotar é maior do que a de crianças que se encontram aptas para adoção, segundo o Cadastro Nacional de Adoção (CNA). De acordo com o juiz da primeira vara da infância, juventude e adoção de Curitiba, Fábio Brandão, isso ocorre por conta do perfil que as famílias desejam adotar, que, normalmente são de crianças com até 5 anos, sem deficiências, sem irmãos e de pele clara.

Para serem encaminhadas para adoção, a criança deve ter sofrido destituição familiar. Que é quando a criança é retirada da tutela de seus pais biológicos. Obrigatoriamente, ela é encaminhada para os cuidados dos avós (paternos ou maternos) ou dos tios de 1° grau, quando os avós faltarem. Não sendo localizadas nenhuma dessas opções familiares, a criança é encaminhada para abrigos. A destituição familiar ocorre quando há riscos para a criança, seja ela física, moral ou sexual. Fábio Brandão comenta, no vídeo abaixo, todo o processo de destituição.

Juiz Fábio Brandão explica o processo da destituição familiar. (Créditos: Luis Gustavo)

Ao chegar no abrigo, a criança ou o adolescente passa por um cruzamento de perfis com os interessados na adoção. Porém, antes da adoção ser efetivada, tanto adotante como adotado, passam por um período chamado de estágio de convivência que, inclusive, está descrito no Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). Esse estágio vale tanto para adotantes brasileiros quanto para estrangeiros. Mas a duração desse estágio tem períodos diferentes. De acordo com o juiz, para brasileiros, o período estabelecido é de 90 dias, podendo ser renovado por no máximo mais 90 dias, já para estrangeiro, varia de 30 a 45 dias, podendo ser renovada por igual tempo.

O estágio de convivência é considerado o momento para que se estabeleça vínculo afetivo entre adotantes e adotados. Antes do final do prazo, a criança e/ou o adolescente deve manifestar o seu interesse em querer continuar, ou não, adotado (a) pelo adotante. Os adolescentes, a partir de 12 anos, são obrigados a manifestar à justiça o seu interesse, ficando para os menores o convite para a manifestação, sempre com o acompanhamento de algum psicólogo. Para Brandão, o objetivo da Vara da Infância é encontrar bons adultos para as crianças e não boas crianças para os adultos.

Segundo o juiz, a pessoa que tem interesse em adotar, tem, obrigatoriamente, de passar por um processo de habilitação, que envolve requisitos como: comprovação de residência, capacidade econômica, certidão de antecedentes criminais e, até mesmo, um laudo de sanidade mental. Um dos requisitos determinado em lei é que, obrigatoriamente, a pessoa que for adotar e o adotado terem, no mínimo, 16 anos de diferença.

Tais exigências tem o objetivo de manter a segurança e integridade da criança ou adolescente quando adotadas, para evitar que sofram violências física, sexual ou moral. Ou ainda, que sejam devolvidas. Como dito anteriormente, a “conta não fecha”, já que os números são bem expressivos.

Em números absolutos, o Paraná ocupa a quarta posição no CNA: são 962 crianças e adolescentes na fila para serem adotadas e 3609 pessoas dispostas a adotar. No gráfico abaixo é possível ver a diferença entre o número de pretendentes à adoção e aqueles que aguardam para serem adotados.

Os 5 estados que possuem maior número de pretendentes em adotar são também os que mais tem crianças disponíveis para adoção. O quadro acima é um comparativo entre quem quer adotar e adotandos. (Créditos: Luis Gustavo)

Acerca dos perfis exigidos, os dados chamam a atenção: as 44.888 pessoas pretendentes, 22.197 aceitam crianças e adolescentes de qualquer raça, ou seja, os demais têm alguma exigência e 28.258 pessoas não querem adotar crianças que tenham irmãos, ou seja, apenas 16.630 aceitam que tenham irmãos para adotar. Quem coloca mais exigências, fica mais tempo na fila de espera.

Gestações do coração

Em Araucária (PR), um projeto tem auxiliado e orientado famílias que estão na fila de adoção. O programa Reencontro, que funciona desde 2018, busca habilitar os pretendentes para a adoção por meio de palestras e rodas de conversas. Marcelo Santos é coordenador e explica que esse projeto não visa preparar as pessoas para serem pais, mas, sim, desmistificar e entender que adotar envolve diversos fatores que, muitas vezes, as famílias não têm noção e nem um preparo psicológico. “Você se habilita para a adoção, mas não sabe o que vai ter ali para você. Não sabe quem vai amar, não tem um rosto. Uma hora, pode acontecer, mas quando e o que você vai amar, não tem como saber”, afirma Santos.

Além de coordenador do projeto, Marcelo também é pai de coração desde 2014. Conheceu seu filho em uma das festas de um projeto chamado Encontro em Curitiba, o qual proporciona um momento para que as crianças aptas para adoção e as famílias habilitadas tenham um primeiro contato, num evento com bebidas, comidas e brincadeiras, cujo objetivo é desenvolver uma possível interação.

Santos conta que foi para esse evento sabendo que as crianças que estariam lá não eram o perfil que ele queria, pois desejava adotar uma criança com até 5 anos e lá estariam as de mais de 10. O coordenador conta que assim que viu o adolescente Matheus, e eles trocaram olhares, ele já sabia que aquele menino seria seu filho.

Alguns anos atrás, o processo de adoção era muito mais complicado, pois só era possível adotar se os pretendentes fossem casados, tivessem casa própria e uma boa renda. Com a chegada do ECA, as coisas se tornaram um pouco menos burocráticas. Marcelo diz que as pessoas ainda têm o pensamento de antigamente em que elas precisavam ser ricas, ter casas imensas e um relacionamento estável. Entretanto, o coordenador explica que “Para adotar você não precisa de nada disso. O que a gente mais precisa é de amor e bastante amor. Porque você vai ter um filho, e se não estiver com o coração aberto, não vai conseguir".

Andreia Vieira, 40, é um exemplo em que o amor prevaleceu. Sua mãe biológica decidiu entregá-la para adoção por não ter condições de criá-la. Adotada com apenas um mês de idade, Andreia conta que seus pais adotivos a colocaram em um internato, até completar 12 anos, por acreditarem que teria uma educação de melhor qualidade.

A família que acolheu Andreia não possuía muitos recursos, mas fez o possível para transmitir amor, carinho e garantir o conforto que eles acreditavam que ela precisava para se desenvolver. Hoje, Vieira não é mais criança e repassa o que aprendeu sobre cuidado e amor: "A minha mãe, além de mim, adotou outras cinco crianças, e somos gratas por esse gesto de amor. Por isso, pra mim, ela merece um pedacinho do céu por tanto amor, e, lógico, todo cuidado, agora que está idosa e requer maior atenção".

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