top of page
Por Guilherme Dias

Quando o update chega na terceira idade

Como aqueles que já passaram dos 60 anos têm lidado com o praticamente indispensável uso das novas tecnologias no dia a dia?

Dona Lizete mostra como manuseia com facilidade os recursos de comunicação online que utiliza em seu computador (Crédito: Guilherme Dias)

“Ela encurta a distância e ameniza a saudade”, fala satisfeita Lizete Gonzalez, de 76 anos, ao descrever a internet, com a qual “fez amizade” há pouco mais de um ano. A aproximação com essa, até então, desinteressante tecnologia surgiu a partir de uma necessidade: suas duas netas mais chegadas estavam se mudando para os Estados Unidos para estudar e ela precisava arranjar uma forma de manter contato diário.

Dona Lizete faz parte da população na terceira idade, grupo que hoje é mais numeroso no Brasil do que jamais foi e que, segundo o IBGE, triplicará de tamanho nos próximos 20 anos. Esse aumento substancial de cidadãos idosos do país tem ocorrido graças aos avanços na área da saúde e às melhorias gerais das condições de vida, algo que a Secretaria Nacional dos Direitos Humanos chama de “uma das maiores conquistas culturais de um povo em seu processo de humanização.”

Mas viver o suficiente para conviver com outras gerações também significa adaptar-se ao formato de novos tempos e às suas ferramentas. Em menos de três décadas, a sociedade mudou seu modo físico e mecânico de realizar tarefas para a digitalização quase absoluta de procedimentos diários. O que nos leva à seguinte pergunta: como ficam aqueles que cresceram sem a necessidade de tecnologias digitais e de repente se viram em mundo em que elas estão em todos os lugares?

Nunca é tarde para aprender

Apesar de não dominar operações mais complexas, dona Lizete já usa diariamente ferramentas como Skype, Google Hangout, Facebook e YouTube. Além de também conferir notícias em portais jornalísticos. Ao apontar para o marido ao lado, menciona que ele costuma comprar o jornal de manhã e perguntar se ela quer saber as notícias do dia.

Sua típica resposta, conta gargalhando: “Eu já vi ontem de noite!”. A simpática senhorinha se diverte relembrando

as tentativas das netas para ensiná-la os comandos básicos. “Eu comecei com o e-mail e hoje em dia acho que dou conta do recado”, explica. “Mas não aprendi sozinha, sozinha não dá”.

Existe uma preocupação latente quanto à inclusão desses vários cidadãos da terceira idade nos meios digitais, visando não apenas prepará-los para procedimentos pontuais, como pagar contas online e agendar consultas médicas por aplicativos, mas também oferecer a eles capacidades operacionais gerais.

Alunos do Senac de Belém, Pará, fazem exercícios da aula de informática (Crédito: Divulgação)

Alunos do Senac de Belém, Pará, fazem exercícios da aula de informática (Crédito: Divulgação)

Por isso, instituições como o Senac já tem oferecido há anos iniciativas como o “Informática para a maturidade”. De acordo com o edital, esse é um curso que “possibilita o primeiro contato com o computador e com o sistema operacional Windows àqueles que querem ingressar ou acompanhar a tendência do mercado”.

A proposta, voltada para pessoas com mais de 40 anos, ensina o gerenciamento básico do Windows e de suas ferramentas, além dos conceitos iniciais sobre navegação na internet. Além da própria Constituição, o Estatuto do Idoso é um dos documentos legais que defendem essa inclusão, prevendo “a viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações”.

Uma questão de cidadania

Questões como essa, que esbarram nos fatores limitantes das novas tecnologias da informação e comunicação para cidadãos da terceira idade, são também tema de um estudo publicado em 2012 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. O artigo chama nossa atenção para o fato de que o envelhecimento traz consigo “declínios” de ordem fisiológica, sensorial, cognitiva e que eles criam obstáculos quando falamos de designs de interface ou sistemas técnicos.

E assim como a web em seu início era acessada apenas por usuários avançados — vindo a tornar-se mais aberta para o público geral com o passar dos anos —, é preciso considerar interfaces mais amigáveis para os idosos. Para os cientistas envolvidos, trata-se de olhar para esse público e “reconhecer sua cidadania e capacidade de ter uma vida ativa”.

Algumas estatísticas brasileiras

  • Uma pesquisa de 2014 feita pela agência de auxílio ao idoso Telehelp entrevistou 568 pessoas acima de 60 anos em 37 cidades.

  • A amostragem revelou que 66% dos idosos brasileiros fazem uso regular da internet, enquanto 45% deles já fizeram alguma vez compras em lojas online.

  • Facebook, Linkedin e Instagram são as redes sociais mais acessadas por eles, respectivamente.

  • Enquanto 85% dos entrevistados com mais de 90 anos diz não saber usar a internet, apenas 2% daqueles que estão com 60 passam pelo mesmo problema.

  • 97% dos idosos na faixa dos 60 anos possui celulares. A porcentagem diminui de acordo com a idade mais avançada, e o principal motivo é não saber usar o aparelho.

Abrindo os horizontes

“Você vai ver como a sua saudade vai ficar menor”, relembra, com lágrimas nos olhos, dona Lizete. A frase de recomendação é de uma colega que a instruía a usar internet para manter contato com a família no exterior. Ela acredita que seus contemporâneos que não querem ter contato com as novas tecnologias muitas vezes optam por manter distância por não conhecerem os benefícios que elas podem proporcionar.

No fim das contas, dona Lizete mostra com seu exemplo que um pouco do seu próprio esforço e auxílio de entes próximos são o suficiente para o pontapé inicial para esse processo de atualização. “É preciso que a gente abra os nossos horizontes”.

bottom of page