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Por Clóvis Cézar Pedrini Jr.

Choro curitibano vive sua época de ouro

Uma história que se renova e se perpetua a cada geração

Roda de Choro das quintas-feiras no Conservatório da Música Popular Brasileira de Curitiba (Crédito: Clóvis Pedrini Jr.)

Roda de choro das quintas-feiras no Conservatório da Música Popular Brasileira de Curitiba (Crédito: Clóvis Pedrini Jr.)

Surgido no calor do Rio de Janeiro por volta de 1870, o choro encontrou na fria capital paranaense um ambiente profícuo para se desenvolver. Apesar de aqui ter chego apenas 100 anos depois de sua criação, a única diferença é mesmo o clima. O choro em Curitiba começou forte com dois grupos, ou ‘Regionais’, como são conhecidos no meio, que rivalizavam de forma branda.

O lendário Janguito do Rosário comandava o primeiro Regional da cidade, o Arco da Velha, ou simplesmente Regional do Janguito. A formação contava, além de seu fundador no cavaco, com Arlindo dos Santos no violão sete cordas, Lara no acordeão, Oscar Fraga no violão, Alaor na flauta e Edmundo no pandeiro. O grupo acabou depois da morte de seu fundador, em 1984. Para muitos, Janguito ainda é o nome mais importante da história do choro paranaense.

O segundo grupo surgiu nos anos 1970 e permanece na ativa até hoje sem dar sinais de cansaço. O Choro e Seresta consolidou-se como o mais forte da cena curitibana e em 2017 completou 44 anos. Moacyr de Azevedo do cavaquinho, hoje com 92 anos, é o único integrante remanescente da formação original que contava ainda com o fundador Alvino Carbonar Tornato e seu filho Hiram Tortato nas flautas, Benedito Ferreira no pandeiro e Gerson de Souza no violão sete cordas.

Hoje, o Regional Choro e Seresta está em sua quarta geração. Por isso, “Geração” (Curitiba, FonoMídia, 2014) é o nome do último álbum que traz dez canções inéditas, a maioria de autoria de Wilson Moreira, um gênio que ainda merece ser melhor conhecido pelo público.

Wilson Moreira talvez seja o maior compositor do choro curitibano, mesmo não sabendo escrever ou ler uma linha de partitura. Morto em fevereiro de 2017, vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), é um dos personagens mais presentes nas rodas de choro da cidade e autor de uma centena de composições ainda inéditas.

“Ele pedia ajuda para os amigos para transcrever suas músicas”, conta a historiadora Ana Paula Peters, autora do livro ‘Nas Trilhas do Choro’. “Ainda estamos sentido sua perda repentina, por uma luz, o Daniel Migliavacca (bandolinista e compositor de choro curitibano) conseguiu registrar algumas músicas de autoria do Wilson e estamos em um constante trabalho para reconstruir seu catálogo”, diz a pesquisadora para quem a postura autoral talvez seja a principal característica do choro curitibano e o que o faz manter-se forte e em constante renovação.

Lucas Melo, da atual formação do Choro e Seresta, diz que eles conseguiram recuperar algumas canções de Wilson Moreira e pretendem registrá-las. “Ele não tinha o conhecimento formal, mas tinha a técnica, era um supercompositor, com mil ideias na cabeça e junto com o Moacyr, o Pedrinho da Viola, que está com 90 anos e muitos outros escreveram a história do choro curitibano que é muito bonita e que nos inspira”.

Outro compositor de mão cheia e que ajuda a dar o tom autonômico e autoral da cena curitibana é o virtuoso Julião

Boêmio. “Devo escrever em torno de cem músicas por ano e é algo que não vai parar”, nos revelou logo após a roda que acontece todas as quintas-feiras no Conservatório da Múscia Popular Brasileira (CMPB) desde 2001.

Os músicos sempre foram muito profissionais, afirma Joãozinho do Pandeiro, o que levava a uma saudável competição no início. “Janguito e o Tortato tinham uma pequena divergência musical. Mas não só isso, um grupo era patrocinado pela prefeitura e outro pelo Estado”, revela.

Assim, cada regional mantém pequenos “códigos”, quase secretos, entendidos apenas pelos músicos e imperceptível para quem assiste. Apesar da roupagem popular e democrática, não é qualquer músico que pode ir se metendo na roda do choro. “Existe um código sim, quando estamos tocando há várias questões entre os músicos, são regras na verdade que protegem a música, o cara tem que mostrar que sabe tocar com o risco de passar vergonha”, revela Lucas Melo.

Muitos dos novos músicos do choro curitibano são ou foram alunos no CMPB, como é o caso do próprio Julião Boêmio e de Lucas Melo. “Aqui, o aluno tem o curso preparatório e logo depois já começa a ser inserido aos poucos nas rodas com os músicos profissionais para ir aprendendo as regras e pegando repertório”. Para Melo, isso faz com que o chorinho se perpetue.

A história do regional mais famoso da cidade se confunde com a do Conservatório. “O Choro e Seresta começou tocando na Sociedade Batel. Teve uma vez que eles foram se apresentar no Teatro Paiol e o então prefeito Jaime Lerner disse que tinha um plano de trazer a feira hippie e o mercado das pulgas para o Largo da Ordem e queria que houvesse música no local”, conta Joãozinho do Pandeiro.

A partir daí a Prefeitura de Curitiba começou um trabalho de revitalização de um antigo casarão do século XIX, localizado na antiga rua do Assunguv e que serviu de Solar dos Guimarães. Nos anos 1960, deteriorado pelo tempo, o local se tornou o Hotel “familiar” São José.

Em 1979, o bordel foi incendiado criminosamente e, posteriormente, já sem uso, foi adquirido pelo poder público no mandato do prefeito Jaime Lerner. Nos anos 1980, o memorial passou por uma grande reforma e foi reinaugurado pelo prefeito Rafael Greca, em 7 de outubro de 1993, como Conservatório da Música Popular Brasileira no aniversário de 300 anos da cidade.

Ana Paula Peters explica que a grande contribuição do Conservatório foi dar visibilidade para o choro que já acontecia em vários nichos espalhados pela cidade. O próximo salto foi nos anos 1990, quando o estilo adentrou à universidade e passou a ser objeto de pesquisa acadêmica, sendo um dos principais expoentes, Claudio Fernandes. “Em 2004, o gênero do choro foi tão difundido no ambiente acadêmico que despertou o interesse de toda comunidade, no sentido de ter um curso voltado ao repertório de violão com o objetivo de aprender a acompanhar, solar melodias, escrever os ritmos e se não bastasse conectar as informações com a história da música popular brasileira”. A Oficina de Choro da Faculdade de Artes do Paraná (FAP) formou mais de 300 alunos.

Um dos registros mais significativos da cena está no livro ‘Songbook do Choro Curitibano’ idealizado por Tiago Portella (Curitiba, Otto Produções, 2012). O livro traz uma compilação de partituras, gravações e imagens de composições de chorões contemporâneos e de numerosos registros dos primórdios do choro da cidade. Foram reunidas partituras manuscritas e editadas, fonogramas e vídeos, que documentam oito gerações de compositores desta música em Curitiba. Ele ainda reúne em seu primeiro volume cinquenta obras musicais produzidas por quinze compositores de seis gerações.

Ao contrário de Wilson Moreira, que dividia a paixão pelo chorinho com o trabalho na área de telefonia, os músicos atuais conseguem viver da música, ou no caso de Julião Boêmio, “apenas” do choro. “Se você se propõe a fazer algo e se dedica a coisa acontece. Desde pequeno eu tinha a ideia fixa de que viveria do choro e com as aulas, gravações, eventos e as rodas dá para se manter. E um pouco de talento, claro” (risos).

O choro tem ao longo dos anos transitado livremente entre o erudito, o jazz, a música tradicionalista e a música folclórica. O estilo já foi serviu de trilha de fundo para o nacionalismo empregado por Getúlio Vargas nos anos 1970, mas mantém-se atual e se adapta.

Apesar de ser o estilo favorito da ditadura militar é, em seu gene, uma celebração democrática. Por muito tempo foi visto como uma música machista, não pelas letras, mas porque a presença de homens nas rodas sempre foi predominante. Mas até nesse quesito o choro curitibano dá sua contribuição com um grupo formado só por mulheres, o Regional Brejeiras.

Na década de 1970 o rádio ajudou os músicos a se profissionalizarem. Atualmente, sem ao menos um programa dedicado exclusivamente ao estilo, o gênero domina um movimentado cenário de bares, restaurantes e eventos. Isso fez com que o choro volta-se para onde ele mais se nutre e se fortalece, a roda.

O Clube do Choro, criado em 2015, ajudou a divulgar ainda mais o gênero na cidade. “Criamos o Clube em 2015, começou pequeno, mas no ano seguinte tínhamos até camisa personalizada e esse ano será ainda maior”, orgulha-se Joãozinho do Pandeiro.

O momento atual é um dos melhores, concorda Ana Peters, “mas meu maior desejo é ter um espaço para o choro curitibano, nos moldes da Casa do Choro do Rio. Nosso acervo documental está crescendo muito e nos falta um local apropriado para preservar toda essa memória”.

A pedagoga Vanda Pereira de Moraes, 67, é fã de chorinho, estilo que aprendeu a admirar desde os quatro anos de idade com seus pais. Sempre que pode ela acompanha as rodas de choro das quintas-feiras no Conservatório e aos domingos na feira do Largo da Ordem. Para ela, o chorinho é um estilo único de música. "É uma música que cumpre sua real função, a de emocionar, me toca, me alegra. Para mim, é a música em seu sentido mais puro", define emocionada ao final de mais uma roda.

E para não dizer que se fez uma reportagem sem citá-lo uma única vez, antes de terminar, me redimo. Tudo isso é apenas graças a ele que levou o estilo aos patamares mais altos em todo o mundo e hoje cada nota tocada e cada letra escrita sobre o choro será sempre uma homenagem e só é possível, graças a Pixinguinha. Não por acaso, o Dia do Choro é celebrado em 23 de abril, data de seu nascimento.

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