Thais Choma é adepta dos cabelos curtos. (Crédito: Liliane Jochelavicius)
Há em nossa sociedade uma expectativa sobre a aparência da mulher, mas nem todos conseguem lidar quando esta foge dos padrões esperados. Cabelos longos, corpo magro e usar salto alto são alguns dos estereótipos de gênero. Quando uma mulher não se encaixa nesses estereótipos pode acabar chocando, explica Adriana Maria Bigliardi, assessora de Políticas Públicas do Conselho Regional de Psicologia e professora da Faculdade Pequeno Príncipe.
Thais Choma, 39 anos, cabeleireira e jornalista, nunca teve cabelo comprido, no máximo teve cabelo na altura dos ombros. Já aconteceu de um rapaz falar para ela em um bar que os homens devem ter medo dela por causa do corte de cabelo, pois mulher de cabelo curto tem personalidade forte. Na opinião da cabeleireira, ela tem sim personalidade forte, mas muitas mulheres que têm cabelo curto são mais delicadas.
Quem tem cabelo curto pode ter mais dificuldade por precisar arrumar, passar pasta e quando a pessoa acorda atrasada, se o cabelo não está bom, é preciso lavar, não é possível amarrar. As vantagens, no ponto de vista da cabeleireira, são a praticidade e a liberdade, ela acha “que quem tem cabelo curto é mais livre, mais livre de um monte de paradigmas e talvez isso que dê medo nos outros”.
Para Emerli Schlogl, psicoterapeuta de base corporal, é possível pensar em uma relação entre aparência e identidade, desde que seja levado em consideração que aparência é um símbolo e, portanto, pode ser interpretado, significado e ressignificado pelas pessoas de formas bem diversas. O comprimento dos cabelos, usar ou não maquiagem, toda a forma de constituir sua aparência tem um valor pessoal na afirmação da identidade.
A violência
Maria Madalena de Oliveira Santos, 37 anos, promotora e zeladora, sempre teve cabelo curto. Ela conta que, quando chegou em Curitiba, há 11 anos, não quiseram lhe vender um celular porque não tinha condições de pagar nem jeito de quem iria comprar, pelo seu cabelo e sua roupa. Já pensaram também que ela era usuária de drogas. As pessoas diziam que ela precisava mudar a aparência e deixar o cabelo crescer ou fazer um aplique para ganhar o respeito do público. Então, ela mudou sua aparência para poder conquistar o respeito e a confiança dos clientes. Teve o cabelo comprido por seis anos.
No Recife, de onde veio, Maria Madalena não sentia esse preconceito. Ela acha bonito mulheres de cabelo curto. Há pessoas que combinam com o corte, deixando o rosto mais definido, além de ser mais prático para pentear e trabalhar no calor. Para a promotora, a feminilidade da mulher não está nos cabelos, mas nas roupas que usa, o modo como anda e como se define enquanto mulher.
A violência simbólica não permite que a mulher seja ela mesma, exigindo que siga um padrão preestabelecido, esclarece Adriana Maria Bigliardi. Em lugares como o Paraná, esses padrões são bem fortes, salienta. O machismo se sustenta nos estereótipos de gênero e o cabelo faz parte das regras de conduta tanto para homens quanto para mulheres. No gráfico abaixo é possível perceber que as mulheres sofrem mais agressão em domicílio do que os homens.
Fonte: Mapa da Violência 2015. Homicídio de mulheres no Brasil. Crédito: Liliane Jochelavicius
O corte de cabelo pode ser assustador para alguns homens por ser uma mensagem de que aquela mulher não se sujeita aos padrões, é dona da sua própria identidade. Mas, é importante lembrar que essa opção não precisa ser um ato de rebeldia, mas apenas uma opção estética.
Opção estética
Raphaela Corsi, 23 anos, ilustradora, cortou o cabelo pela primeira vez aos nove anos e depois, aos 14 anos, os manteve curtos e agora está tentando deixar crescer novamente. Relata preferir os cabelos curtos por serem mais práticos, estilosos e bonitos. Na opinião de Raphaela, há pessoas com cabelo comprido, porém descuidado, e, nesse caso, é melhor os manter curtos e bem cuidados.
Emerli Schlogl fala que pode haver uma tentativa cultural de impor padrões estéticos, mas nem sempre esses valores são aceitos e repetidos pelas pessoas. Nesse contexto, cada caso deve ser avaliado individualmente. Entretanto, os padrões culturais impostos ao feminino podem trazer certo nível de angústia e dificuldades de interação em determinados grupos.
Crédito: Liliane Jochelavicius
A ilustradora conta que tinha os cabelos na altura da cintura quando os cortou bem curtos. Tomou a decisão por achar que dava muito trabalho e também por grande parte das mulheres ter cabelo comprido, não queria ser igual a todo mundo. Raphaela relata que a partir de então alguns meninos passaram a chamá-la de menino. Duas vezes mulheres perguntaram se ela era homossexual. Ela considera que agora está na moda ter os cabelos curtos e, em alguns casos, raspados, não achando que isso interfere na feminilidade, ao contrário, pode até mesmo deixar a mulher mais estilosa.
Adriana Maria salienta que a simbologia do cabelo varia de acordo com a cultura. Vem desde a Bíblia, com a ideia de que o cabelo é um véu de castidade. Já as mulheres árabes só devem mostrá-los ao marido, ele é um elemento de sedução. Em religiões evangélicas, a mulher não deve cortar os cabelos como uma demonstração de submissão às regras.