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Daiane Siqueira

Arte do sertão: a moda como símbolo de resistência

Reconhecido por sua paisagem seca e clima quente, além de ser uma terra de muita fé, o sertão nordestino é berço de artistas que influenciam a música, poesia, decoração e moda brasileira. Inspirados nos cangaceiros, nas paisagens sertanejas e na fé, artesãos usam sua criatividade para dar vida a peças que mostram a cultura de resistência e ressignificar tradições.


O artesão pernambucano Romildo Aprijo Lopes, usa o couro para reproduzir vestimentas e acessórios que representam o cangaço e o homem sertanejo. “O material selecionado é o couro do boi tratado. Tem o rústico que é o estilo mais tradicional, mas quando o cliente quer um material mais sofisticado também tenho", explica.


Aprijo Lopes destaca que suas peças são inclusivas, para todos os gêneros e classes sociais. “Criar algo que o cliente use em qualquer ocasião, para todos os públicos. Todos são importantes.” Provando que a moda é arte, plural e inclusiva.


Apesar de peças com aparências rústicas, as peças não tem gênero podem ser usadas por todos (Créditos: Daiane Siqueira)


Tradição herdada de pai para filho


Foi vendo seu pai, o Mestre Aprijo trabalhar, que o artesão sentiu interesse pela arte. “Via

meu pai trabalhando, criando aquelas peças bonitas, era fascinado nesse objetivo, nessa

arte. Fazia parte de mim. Ficava fascinado quando ele concluía aquela arte.”


O Mestre Aprijo ganhou notoriedade quando começou a produzir peças para o cantor Luiz Gonzaga a pedido do próprio músico. Conhecido como o Rei do Baião, Luiz Gonzaga era um grande admirador do estilo adotado por Lampião, e por esse motivo, o compositor usava peças que remetiam ao estilo cangaceiro. Mas sentiu a necessidade de usar acessórios que fossem apenas inspirados em Lampião, queria uma identidade própria no que vestia.


Chapéu decorado com o simbolo de girassol criado por Mestre Aprijo

(Créditos: Daiane Siqueira)


O objetivo foi alcançado com tanto êxito que até nos dias de hoje, suas roupas servem de inspiração para as peças que Romildo produz em seu ateliê. Apesar de sua produção ser apenas por encomenda, o artista diz ter muita demanda. Ele cria o próprio design, realiza o projeto, faz a classificação de cores e costura tudo sozinho. Atualmente, Aprijo confecciona não só para o estado de Pernambuco, mas seus chapéus, jaquetas e sandálias de couro já foram enviados para outros estados, como São Paulo, Pará, Alagoas, Rio de Janeiro e Piauí. Além de ter peças exportadas para a Inglaterra, Estados Unidos e Japão.


Romildo Aprijo trabalhando em seu ateliê

(Créditos: Daiane Siqueira)


Assim como Romildo Aprijo Lopes aprendeu o ofício observando seu pai, o artesão já ensinou a arte para seu sobrinho que também tem um ateliê na cidade do Crato no Ceará. Ele menciona que ficaria muito feliz em passar a arte para mais pessoas. “Se uma instituição me chamasse para um projeto para que eu pudesse incentivar os jovens e estar repassando a arte, eu estaria de acordo, ajudaria com amor, com maior carinho.”


O sertão é tendência


O estilo de Lampião e seu cangaço, fizeram sucesso no exterior, não só por causa do músico, mas também graças a uma mineira, que era encantada com a moda usada pelos cangaceiros.

Os bandidos que eram considerados “Robin Hood do sertão” por alguns, serviram de modelos para a coleção “Maria Bonita e Lampião” da estilista Zuzu Angel em 1960. Na época que a moda brasileira era ditada por tendências de Paris e de outros locais da Europa, Zuzu investiu na originalidade da gangue de cangaceiros, e exportou a tendência do estilo exuberante dos homens e mulheres que faziam parte do bando de Virgulino Lampião.


Além das inspirações nos cortes, brilhos e elegância das vestimentas do bando nordestino, a moda usa muito das particularidades que o sertão tem. A estilista Adriana Meira, natural de Brumado, sertão da Bahia, se inspira em sua ancestralidade afro e indígina para criar roupas que são consideradas obras de arte. Usando elementos do sertão e cores vivas, Adriana ressignifica símbolos que representam a fé, como imagens de santos e orixás em suas peças. Inclusive, a estilista vestiu a cantora Preta Gil para o baile da Vogue de 2022, que havia como tema “Brasilidade fantástica”.


O sertão do Cariri localizado no Ceará também serviu de inspiração para o estilista Ronaldo Fraga, que apresentou uma coleção inspirada nas cores e cultura da terra de Padre Cícero. A coleção ganhou destaque através de um vídeo na São Paulo Fashion Week (SPFW) de 2021.


A arte através da moda, não só ressignifica elementos importantes para uma cultura, como também mantém tradições, gera renda e conta histórias. Ela encanta, fascina, mas acima de tudo faz viver e renascer, não só quem a produz, mas também a quem a aprecia.





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